Início Segurança de Voo Por que temos tantos rituais monótonos na Aviação?

Por que temos tantos rituais monótonos na Aviação?

Mini checklist no para-brisa do avião

“Eu queria entrar na cabine e bater no piloto. Ele merecia.”

Era um dia quente e eu estava tendo que dar partida no motor de um Cessna 172 manualmente, ou como chamamos na aviação, “dando a hélice”. É um processo que exige força e é perigoso, mas às vezes necessário. Que combinação para a aviação.

RITUAIS NA AVIAÇÃO

Não estou falando nada de novo se disser que a aviação é uma das atividades mais regulamentadas e processuais de todas as atividades humanas.

Os processos de gerenciamento de trabalho na cabine evoluíram de fazer tudo mecanicamente até as atuais listas de verificação eletrônicas.

Existem diferentes tipos de checklists, de acordo com os diferentes tipos de atividades aeronáuticas. A lista de verificação de um Boeing 747 não é a mesma de um Cessna C150. O checklist de um voo de linha aérea também não se compara ao de um piloto agrícola aplicando fertilizante (no qual ele pode fazer até 50 decolagens por dia).

As listas de verificação na aviação envolvem uma variedade de gestos físicos e chamadas verbais que se realizam no desempenho das suas funções. São monótonas, enfadonhas e muito necessárias, e essa é a chave para procedimentos operacionais seguros.

O PROCESSO DE “CALLING AND POINTING” –  “FALAR E APONTAR”

O funcionamento deste sistema baseia-se em nomear, dizer em voz alta a ação a ser realizada, apontar e tocar o objeto na cabine.

Este processo conhecido como “Falar e Apontar” é um sistema projetado para reduzir erros.

Baseia-se no controle cognitivo do paradigma de troca de tarefas. O sistema de nomear e apontar é muito eficaz, pois utiliza nossos olhos, mãos, boca e ouvidos para seu funcionamento. Transforma nossos hábitos inconscientes em conscientes.

Os erros diminuem 85% e os acidentes 30%, segundo estudos de universidades japonesas (onde este sistema é amplamente aplicado no sistema ferroviário).

Pode-se pensar que a aplicação deste sistema aumenta a precisão, mas retarda o processo. Pessoalmente e no meu ponto de vista, na aviação, a rapidez nos processos NÃO é a nossa melhor aliada. Se eu tiver escolha, prefiro a precisão à velocidade.

“FALAR E APONTAR” APLICADO À AVIAÇÃO AGRÍCOLA

Se tivermos que realizar 40 decolagens e pousos em um dia, não podemos esperar fazer um checklist de nem mesmo 10 passos para a decolagem. É a realidade pura e prática. O que podemos fazer é ser proativos.

Há muito tempo que utilizo a estratégia de chamar e apontar em 3 fases da operação de voo e isso tem me ajudado nos índices de segurança.

Na partida do motor:  Quando participei do curso em simulador de Air Tractor em Orlando, nos EUA, meu instrutor me disse: “se você está dando partida em uma turbina e alguém enfia uma faca em você, primeiro termine de dar a partida no motor e depois retire a faca”. Essa piada resume a importância de se focar em uma tarefa específica, ou seja, não temos atenção ilimitada e devemos priorizar o que fazer em determinado momento. Falando e Apontando.

Na primeira decolagem do dia: Utilizo um mini checklist que coloquei no para-brisa do avião. Eu o incluo aqui.

ANTES DA DECOLAGEM

• EQUIPAMENTO AG………………………… LIMPO E EM BOAS CONDIÇÕES

• PRODUTO A APLICAR……………………..VERIFICADO E ANOTADO

• COND. METEOROLÓGICO……………….VERIFICAÇÃO DE DERIVA – PERGUNTE

• LARGURA DA FAIXA……………………….AJUSTADA

• COMBUSTÍVEL MÍNIMO………………….CHECK

• DGPS……………………………………………… AJUSTADO

• CONDIÇÃO DE DECOLAGEM…………..VERIFICADO

• BRIEFING MENTAL…………………………REALIZADO

Configurar o avião para a próxima decolagem: Após o pouso e quando paro o avião, antes de fazer qualquer outra coisa, deixo o avião configurado para iniciar a próxima decolagem. Isso inclui a posição dos flaps, compensadores e janelas fechadas.

Cada uma dessas fases ou situações do voo constituiria um artigo em si. A ideia é explicar o conceito e saber que a aviação agrícola exige que nós, como pilotos, saibamos gerenciar a nossa atenção. Ou, como eu chamo isso, de “nos sequenciarnos”.

Os aviões agrícolas modernos exigem que estejamos atentos e tenhamos os nossos próprios rituais.

O mais importante é descobrir qual sistema melhor se adapta às nossas operações. Qualquer opção é melhor que nada.

MEU AMIGO ESCAPOU DE UMA SURRA

Era um dia quente e eu estava tendo de dar partida no motor de um Cessna 172 “na mão”. Eu estava parado na frente do Cessna, ia começar a “dar a hélice”, mas primeiro tinha que posicionar a hélice do avião, para em seguida, tentar ligar o motor girando fortemente a hélice com as mãos. Gritei para meu amigo dentro da cabine, “Sin contacto”, em espanhol, “Sem contato” (referindo-se aos magnetos, desligados), e a resposta dele foi – “sin contacto”.  Girei a pá apenas para colocá-la na posição ideal para “dar a hélice” e o motor, que não deveria pegar (pois deveria estar “sem contato”), pegou!!

Fiquei inicialmente petrificado e depois pulei para longe da hélice. Queria entrar na cabine e dar um soco no piloto (mas não fiz isso), ele se salvou da surra. Ele merecia. Ele não tinha aplicado o “falar e apontar” e minha vida poderia ter acabado.

Segundo James Clear, “O hábito é o melhor dos servos ou o pior dos amos.” Não existem bons hábitos e maus hábitos. Existem apenas hábitos eficazes. Eficazes para resolução de problemas.

Fiz meu primeiro voo como piloto agrícola em 1995. Foi um ótimo dia para mim. O mesmo não aconteceu para o dono da lavoura. Eu estava aplicando fertilizante num campo de arroz e a carga de trabalho na cabina me fez esquecer de fechar a comporta do hopper. Sim, fiz meu primeiro “balão” como piloto agrícola sem fechar a porta de aplicação.

Deixando de lado a anedota desastrosa, penso que o sistema de Falar e Apontar tem um lugar muito importante na aviação agrícola.

Experimente seus próprios métodos e, se nenhum deles funcionar, aplique ou siga o que diz o manual do Piper J3 de 1947: “bata na cabeça do aluno para que ele devolva os controles ao instrutor”.

Martin da Costa Porto é um piloto agrícola e instrutor de voo agrícola no Uruguai. Ele tem mais de 25 anos e 12.000 horas de experiência aeroagrícola, além de 3.000 horas de instrução de voo. Atualmente, ele opera sua própria empresa aeroagrícola no Uruguai. mporto1@gmail.com
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