Lições de um acidente fatal recente no norte da Califórnia
Por George Parker, III
Após uma recente fatalidade na aviação agrícola no norte da Califórnia, durante uma aplicação em arroz, é essencial fazer uma pausa, refletir sobre o que está acontecendo e depois aplicar esse conhecimento ao que fazemos todos os dias. Embora o relatório do NTSB ainda não tenha sido divulgado, os fatos específicos são claros. O acidente envolveu um piloto com menos de 500 horas de experiência agrícola pilotando um Ag-Cat a turbina, carregado com fertilizante foliar líquido de alto peso específico. A aeronave fez a corrida de decolagem com vento de cauda, não conseguiu sair do chão e colidiu com um conjunto de reboques no final da pista, no tipo de acidente que tem o nome técnico de “excursão de pista”. Um fator crítico no acidente foi que nenhuma tentativa de alijar a carga foi realizada – uma ação que poderia ter salvo a vida do piloto e o avião.
Quem me conhece sabe que passei os últimos cinco anos desenvolvendo cenários de treinamento de alijamento para a aviação agrícola. Minha inspiração veio em parte de modelos de treinamento recorrentes na linha aérea, particularmente conceitos como o Programa de Qualificação Avançada (Advanced Qualification Program – AQP) usado no treinamento de companhias aéreas comerciais. As conversas com meu filho mais velho, um primeiro oficial de 737 da Delta Air Lines, e os insights do esforço de Dan Gryder para trazer os princípios do AQP para a aviação geral foram inestimáveis. Nosso desafio exclusivo na aviação agrícola é tirar proveito de nossa capacidade de alijar uma carga sob comando e integrá-la em cenários práticos de treinamento.
Inicialmente, meu objetivo com esses exercícios de treinamento era simples: reduzir a ocorrência de acidentes em decolagens, minimizando danos às aeronaves, evitando lesões e acionamentos de seguro desnecessários. Vimos pelo menos quatro ou cinco acidentes de decolagem evitáveis apenas na safra americana de 2024, normalmente não fatais. Mas com a morte de Hugh, o que está em jogo fica agora tragicamente claro: não precisamos apenas salvar aviões; temos que salvar vidas.
Três chances para viver
Se o programa de estudos descrito em meu AQP para a Aviação Agrícola fizesse parte da caixa de ferramentas mental de Hugh, ele teria tido três chances claras de evitar esse acidente:
- Primeira chance: Briefing Mental Pré-Decolagem
Conhecer a altitude de densidade (DA), percentagens de peso bruto e aderir à regra 70/50. Este é o primeiro passo crítico para se ter certeza que o avião conseguirá decolar na situação presente. - Segunda chance: Reconhecendo o ponto de decisão
Um ponto de verificação importante em qualquer corrida de decolagem é quando a cauda levanta. Se a cauda não subir antes de um ponto predeterminado, o piloto deve começar a alijar imediatamente – salvando uma boa parte da carga e garantindo que a aeronave decole. Isso está coberto no meu Cenário #3. - Terceira chance: O Alijamento “Ave Maria”
Nos 100-150 metros antes do final da pista, quando o impacto é iminente, a única opção do piloto é alijar toda a carga para fazer o avião sair do chão. Este é o meu Cenário #6, e foi planejado para salvar vidas mesmo nas circunstâncias mais terríveis.
O treinamento não é opcional
Publiquei o plano de estudos do AQP, incluindo os cenários nº 3 e nº 6, para aqueles que desejam realizar esses exercícios. Recomendo que os pilotos tenham pelo menos 200 horas em suas aeronaves antes de praticar esses cenários. O treinamento é muitas vezes deixado de lado na correria de uma safra movimentada, mas este é um pequeno investimento de tempo, com potencial para salvar vidas. Para referência, levei apenas um dia para treinar três pilotos – 30 minutos de briefing, 1,5 horas de voo por piloto e 1,5 horas de debriefing em grupo.
O sucesso deste treinamento depende da compreensão do seguinte:
Fatores Humanos:
- Complacência
- Padrões de hábitos
- Memória muscular
Fatores de tempo:
- Hora de decisão: Momento da decisão de alijar
- Tempo de reação: Tempo necessário para acionar a alavanca ou interruptor.
- Tempo de vazão: O tempo necessário para o produto sair do hopper e influir no desempenho do avião.
Números críticos:
- Vazão de alijamento de líquido em comporta manual: em média 50-60 galões (190 a 230 litros) por segundo
- Vazão de alijamento de líquido em comporta hidráulica de grande porte: em média 100 galões (380 litros) por segundo
- Velocidade de 80 mph: em torno de 35 metros de pista percorridos a cada segundo
- Distância média percorrida do alijamento até o saída do solo: 100-140 metros (se executado perfeitamente, em 3-4 segundos)
O trágico acidente na Califórnia destaca uma verdade inevitável: os pilotos – especialmente os novatos – ficam vulneráveis sem as ferramentas certas. O treinamento de alijamento lhes fornece habilidades de tomada de decisões que salvam vidas sob pressão. Aquele piloto novato do Ag-Cat poderia estar em casa com sua família hoje se tivesse essas ferramentas.
Peço a todos que reservem um tempo para ler o plano de estudos, assistir aos vídeos e implementar este treinamento. Algumas horas de esforço concentrado podem fazer a diferença entre a vida e a morte. Devemos a nós mesmos e à memória de Hugh garantir que cada piloto saiba como usar o recurso do alijamento quando for mais importante.

Segmentos de Perfil de Decolagem de Aeronaves Agrícolas
Segmento 1 – Da aplicação de potência até 50 mph
Em qualquer emergência, a única opção é abortar a decolagem e frear até a parada na pista.
Segmento 2 – De 51 mph até a saída do solo
Em qualquer emergência, a única opção é abortar a decolagem e frear até a parada na pista. Se o comprimento de pista restante à frente exigir, alijar a carga para facilitar a frenagem.
O procedimento para se evitar uma excursão de pista neste segmento é se certificar que a cauda esteja erguida no ponto previsto no planejamento, para garantir que o avião saia do solo antes do final da pista. Caso contrário, abra a comporta de alijamento nesse ponto, despejando produto suficiente para levantar a cauda. Após isso, feche a comporta de alijamento e prossiga a corrida de decolagem com a carga restante.
Segmento 3 – Da saída do solo até 100 pés de altura
Em qualquer emergência, a única opção é alijar a carga e continuar reto em frente, buscando uma atitude para atingir e manter a DMMS (Defined Minimum Maneuvering Speed, Velocidade Definida como Mínima para Manobra), recolhendo os flaps e visando uma área o mais limpa possível para o pouso de emergência.
O planejamento para evitar uma excursão de pista neste segmento é começar a alijar
a carga a uma distância razoável do final da pista, de forma a dar tempo suficiente para que o alijamento melhore o desempenho do avião. Isto deve ser aproximadamente a 150 metros do fim da pista, considerando uma velocidade de cerca de 40-50 pés por segundo e uma vazão de alijamento de 230-380 litros por segundo, dependendo do tipo da comporta.
Segmento 4 – De 100 a 300 pés de altura
Em qualquer emergência, a única opção é alijar a carga, não curvar mais de 45 graus da proa de decolagem para encontrar um local adequado para o pouso, buscando uma atitude para atingir e manter a DMMS, recolhendo flaps quando apropriado para transpor obstáculos, e visando uma área tão limpa quanto possível para o pouso de emergência.