Uma das muitas coisas fascinantes sobre o nosso complexo sistema de visão é que temos pontos cegos. Já aconteceu de você estar dirigindo e se preparando para mudar de faixa, pensando que estava tudo livre, e depois virou a cabeça para verificar novamente e percebeu que havia um carro passando ao seu lado? Esse é um exemplo de ponto cego, cujo termo médico é escotoma.
Por que isso não acontece toda hora? Por que nossos cérebros compensam, combinando imagens de ambos os olhos para criar uma percepção contínua.
ENCONTRE SEUS PONTOS CEGOS!
- Mantendo o olho esquerdo fechado, mantenha os polegares juntos e verticalmente com os braços estendidos para a frente, cobrindo algo como um relógio ou interruptor de luz na parede.
- Mova lentamente o polegar direito para a direita enquanto mantém o olho direito focado no objeto. Depois de atingir cerca de 15 graus de separação entre os braços, o polegar direito desaparecerá (contanto que você continue com o olhar focado no objeto). Mover o polegar mais para a direita fará com que ele reapareça.
Um ponto cego também se refere figurativamente a lacunas na nossa base de conhecimento, independentemente do assunto. Muitos deles podem não ser importantes; por exemplo, saber que as asas de sua aeronave usam liga de alumínio de alta resistência 2024 não é crítico. É essencial saber que elas podem ser suscetíveis a trincas por fadiga e devem ser monitoradas regularmente.
Embora acumulemos uma grande experiência prática à medida que acumulamos cada vez mais horas de voo, todos somos suscetíveis a ter pontos cegos. Isso pode ser por omissão ou simplesmente por esquecimento de algo aprendido há muito tempo. Lembra-se de calcular dados de desempenho usando tabelas e gráficos misteriosos, ao fazer seu curso de piloto comercial? Tentar repetir isso hoje pode ser uma experiência humilhante, pois não demora muito para que a ferrugem se instale.
Novos ambientes, por definição, trazem um novo conjunto de pontos cegos. Cada vez que você voa para uma pista desconhecida, você precisa ir devagar para se ajustar ao seu layout, comprimento, largura, superfície, etc. É o que você não vê – aqueles infames pontos cegos – que podem rapidamente causar grandes problemas. Isto é particularmente verdadeiro na aviação agrícola, onde são comuns pistas de pouso improvisadas, com poucas ou nenhumas marcações, sem birutas, etc.
Aqui está um exemplo de “ponto cego” que testemunhei. Eu estava voando um Thrush S2R com outro piloto (a quem chamarei de Dave) pilotando um Dromader em uma pista de grama com a qual não estávamos familiarizados, de orientação norte/sul com uma descida perceptível de sul para norte. Estávamos ambos fazendo as primeiras cargas, com Dave indo primeiro.
Eu pretendia decolar com o vento de frente e colina acima, com a meia carga que costumo fazer no início de um serviço. Dave decidiu taxiar para decolar colina abaixo e com vento de cauda. Como eu não sabia a quantidade da carga dele (descobri depois que era carga completa), não pensei muito nisso.
Eu estava estacionado na área de carregamento, no extremo norte da pista, observando a decolagem de Dave vindo do sul. Eu não estava preocupado, até ver que ele já tinha corrido um bom pedaço da pista e ainda estava com a bequilha no chão. Lembro-me de pensar que esta decolagem seria por pouco, quando ele passou por mim com os trens principais já no ar, por pouco, mas com a bequilha ainda no chão. Não me lembro de ter visto isso antes em nenhum avião.
Quando ele desapareceu em uma nuvem de poeira, vi o que inicialmente percebi como uma enorme explosão branca. O que se seguiu foi nada menos que um milagre. Logo além da extremidade norte da faixa havia um vale raso. Dave curvou para dentro do vale, tentando decolar, e aí tocou no talude do outro lado. A explosão branca foi a comporta de alijamento se abrindo com o impacto.
Surpreendentemente, não houve nenhum outro dano além da comporta de alijamento quebrada. Discutimos o assunto depois e Dave disse que não tinha certeza de qual opção de decolagem seria a melhor, mas achava que o Dromader tinha potência suficiente para lidar com a situação. Não tinha, e este é um exemplo de como ter um ponto cego (neste exemplo, não ver a terceira opção de fazer uma carga leve) quase causou um desastre.
Fatores Humanos
“Só preciso de algumas horas de sono e um café bom e forte. Recupero o sono perdido depois da safra.”
Já ouvi isto, ou comentários semelhantes, vindos de pilotos de vários níveis de experiência. Embora a maioria deles esteja geralmente consciente dos efeitos da falta de sono e da fadiga resultante, esse conhecimento pode ser ignorado quando as demandas de aplicações, independentemente do nosso nível de prontidão, são consideráveis.
Os pontos cegos vêm em todas as formas e tamanhos. No início da minha carreira agrícola, descobri que não importa o quão em forma você esteja, os efeitos combinados da falta de sono, estresse e fadiga podem resultar em um acidente prestes a acontecer. Aconteceu comigo enquanto eu pilotava um Super Brave, aplicando um tratamento pré-emergente em uma lavoura recém-semeada. A chuva estava a caminho e o proprietário estava decidido a terminar o trabalho antes de sua chegada, o que significava que estávamos trabalhando algumas horas bem puxadas.
Assim como muitos podem se lembrar de “dar cabeçadas”’ ao dirigir longas distâncias, eu dei uma em pleno “tiro”. Ainda me lembro do tremor violento quando as rodas tocaram no chão, felizmente fazendo o avião dar um pulo para cima e me trazendo de volta imediatamente para o aqui e agora. Eu tinha apenas alguns litros sobrando no hopper, então na hora encerrei antecipadamente a aplicação e voltei para a base, para cortar o motor, verificar se havia algum sinal de dano na aeronave e dar uma boa dormida. O ponto cego aqui foi não avaliar realmente o quão cansado eu estava.
Embora pilotos geralmente estejam conscientes dos efeitos do stress e da fadiga, nem sempre compreendem completamente como estes fatores influenciam a tomada de decisões e as funções cognitivas. Isto é particularmente verdadeiro na aviação agrícola quando há uma longa fila de agricultores ansiosos na porta da empresa, querendo que que você faça suas lavouras.
Como podemos mitigar o efeito dos pontos cegos na nossa base de conhecimento? Aqui estão algumas estratégias proativas para ajudar a trazer pontos cegos à tona.
- Revise regularmente sua base de conhecimento, para identificar informações desatualizadas ou ausentes.
- Incentive sua equipe a fornecer feedback e relatar quaisquer lacunas ou imprecisões que encontrarem.
- Para garantir que diversas perspectivas sejam abordadas, obtenha insights de diversas fontes, incluindo especialistas no assunto e outras pessoas do setor.
- Mantenha-se atualizado com as tendências do setor e os novos desenvolvimentos para integrar informações relevantes prontamente.
Finalmente, planeje sempre de forma conservadora os fatores críticos (tamanho da carga, quantidade de combustível, comprimento necessário da pista, etc.). Isso ajudará a minimizar esses infames pontos cegos.
