Início Brasil ARPAC: de Desenvolvedora a Operadora de Drones Agrícolas

ARPAC: de Desenvolvedora a Operadora de Drones Agrícolas

O ano era 2008 e o Aero Boero AB-115 acabara de decolar do Aeroclube de Bagé (RS) em um voo de instrução quando chamas apareceram sob a capota do motor.

O jovem instrutor de voo Eduardo da Costa Goerl iniciou imediatamente o retorno à pista de pouso do Aeroclube, mas o fogo se espalhou muito rapidamente, e para salvar a si e ao aluno, ele acabou tendo de fazer um pouso fora da pista. Felizmente, Eduardo e seu aluno saíram do local com apenas alguns hematomas e queimaduras, e o acidente não impediu Eduardo de seguir carreira na aviação, chegando a primeiro-oficial da então TAM Linhas Aéreas em 2010. Em 2014, Eduardo comprou um drone recreativo para tirar fotos, e durante um voo entre Buenos Aires e Porto Alegre, encontrou na cabine de passageiros uma revista com uma matéria sobre drones e outra sobre aviação agrícola. Enquanto aquele avião cruzava a região de Bagé, ele se lembrou de três amigos seus que lá voavam agrícola e que sofreram graves acidentes durante aplicações aéreas. Tudo isso junto disparou o momento de iluminação que o levou a pensar se os drones não poderiam ser uma forma de fazer aplicações aéreas sem que pilotos precisassem se arriscar.

Eduardo então pesquisou na Internet por drones pulverizadores, só encontrando o Yamaha R-MAX, um pequeno helicóptero não tripulado, mas de design convencional, movido a gasolina, usado no Japão para pulverizar plantações desde a década de 1990. Ele mandou um e-mail para a Yamaha, mas eles não responderam então; só muito mais tarde, em 2018, é que a Yamaha veio a procurar a ARPAC, se tornando sua acionista em 2021. Diante disso, Eduardo decidiu na época construir seu próprio drone pulverizador, encomendando de uma empresa coreana uma estrutura de fibra de carbono para um octocóptero, e integrando nela componentes “de prateleira”, como oito motores elétricos, rotores e baterias, bem como um sistema de controle. Depois de ter um drone pilotável, Eduardo começou a montar um sistema de pulverização para ele, também com componentes facilmente disponíveis, como garrafas PET e mangueiras de jardim.

Este primeiro protótipo nunca pulverizou nenhuma lavoura, sendo usado apenas para pulverizar água em testes. A sua estrutura hoje está pendurada como uma luminária no teto das instalações de desenvolvimento da ARPAC, mas durante um desses testes, em um campo perto de uma rodovia, um homem que passava de carro parou e foi falar com Eduardo. Ele era presidente de uma grande empresa de implementos agrícolas e tentou comprar o projeto ali mesmo. Isso ajudou a convencer Eduardo de que ele tinha um produto viável em mãos. Por fim, ele deixou de voar na companhia aérea e passou a trabalhar em tempo integral em sua startup, a ARPAC Indústria de Aeronaves S.A., ou como ele prefere chamar, apenas ARPAC, com sede em sua cidade natal de Porto Alegre, RS. A sigla ARPAC significa “Aeronaves Remotamente Pilotadas de Alta Capacidade”.

Em 2016, juntou-se à ARPAC Ênio Freitas, engenheiro eletricista, e como ele diz, começaram “a aprender tudo o que não sabíamos”. A essa altura, o DECEA – Departamento de Controle do Espaço Aéreo – finalmente tinha criado regras para drones, impondo um limite de 10 kg para os drones de Classe 3 – aqueles que, desde que operando na linha de visão do operador e abaixo de 400 pés AGL, não necessitam de certificação de aeronavegabilidade.

Eles construíram um novo drone em conformidade com a Classe 3, de 10 kg, e nesse mesmo ano, começaram a oferecer serviços de pulverização para empresas agrícolas, mas muitas vezes eram recusados ​​devido à pequena capacidade dos seus drones. Um momento decisivo foi quando eles descobriram as aplicações de agentes de controle microbiológico, como os ovos de Trichogramma galloi e Cotesia glomerata. Estas são pequenas vespas que parasitam as brocas da cana-de-açúcar e, para um controle eficaz desta praga, seus pequenos ovos podem ser espalhados pelos canaviais em um volume de apenas 1 grama por hectare. Eduardo e Ênio começaram a fazer essa aplicação em parceria com o veterano empresário aeroagrícola José Paulo Rodrigues Garcia, da Garcia Aviação Agrícola, de Ribeirão Preto, São Paulo. Conforme relatamos em matéria sobre esta empresa em nossa edição de novembro de 2017, Garcia usava o menor avião agrícola de sua frota – um Piper Pawnee – para fazer este tipo de aplicação, com os ovos de Trichogramma galloi em um pequeno frasco na cabine. Eles descobriram que um drone da ARPAC, carregado com apenas 100 gramas de ovos em vez de 10 kg de produtos químicos, era capaz de voar com potência reduzida por muito mais tempo – até 35 minutos – cobrindo 100 hectares com uma única carga! Este é um excelente exemplo de como os drones podem ser complementares às aeronaves agrícolas maiores, no caso realizando uma aplicação especializada de forma muito mais eficiente e com custo muito menor.

Isto deu um grande impulso à ARPAC para se tornar uma operação comercial de drones, e em 2018, ela já contava com uma base operacional em Jaú, São Paulo, de onde trabalhava em contrato com a Raízen, a divisão de biocombustíveis da Shell no Brasil. Procurando o melhor mercado para as aplicações por drones, eles fizeram aplicações em café, arroz, milho, soja, sorgo, banana, uva e outros, nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, desenvolveram um drone de sensoriamento por imagem para a Taranis, uma empresa israelense que usa Inteligência Artificial para localizar ervas daninhas nas plantações. Com o mesmo raciocínio de que um drone mais leve voa mais tempo com uma carga de suas baterias, eles substituíram o sistema de pulverização pela câmera da Taranis em seu drone, e o operaram sobre lavouras para localizar com precisão ervas daninhas invasoras. Nesta tarefa, a ARPAC voou mais de 100.000 hectares para a Taranis a partir de bases em Passo Fundo/RS, Piracicaba/SP, Jataí/GO e Sorriso/MT.

Primeira sede da ARPAC em Jaú-SP, recebendo a visita de acionistas incluindo pessoal da Yamaha.

Em 2020, a ARPAC estava bem estabelecida na indústria da cana-de-açúcar, mas ainda lutava com o limite de 10 kg para aplicações de defensivos, especialmente enquanto alguns concorrentes operavam drones maiores, fora das regras. No entanto, em 2023 o DECEA alterou inesperadamente a limitação de peso para drones Classe 3 no Brasil, de 10 para 25 kg, ao mesmo tempo em que simplificou as regras para drones Classe 2 (com peso de até 150 kg) usados ​​em operações agrícolas. A ARPAC não tinha nenhum drone de projeto próprio pronto para essas capacidades, então eles decidiram adquirir os drones da DJI que já estavam disponíveis no mercado.

A nova base operacional da ARPAC em Jaú, SP, desde 2023

Hoje, a ARPAC opera 14 drones DJI, dos modelos T30 e T40, respectivamente para 30 e 40 kg de defensivos, além do Mavic 3E para mapeamento aéreo, em oito localidades nos estados de São Paulo, Goiás e Minas Gerais, tratando quase exclusivamente cana-de-açúcar, por ser esta a cultura com maior período de pulverização para drones no Brasil, de dezembro a julho. Algumas de suas aplicações são complementares à pulverização aérea convencional realizada por aeronaves de asa fixa, por exemplo, no tratamento de infestações localizadas de ervas daninhas em grandes canaviais, a chamada “catação”.

(ED): Ênio Freitas, o autor e Eduardo Goerl, com um drone ARPAC em desenvolvimento para a indústria de exploração de petróleo off-shore.

Os drones da ARPAC são operados por equipes compostas por um “piloto” de drone e um técnico agrícola que faz a mistura das caldas e as carrega nos drones. Eles usam picapes especialmente adaptadas para ir até os locais de pulverização. Essas caminhonetes transportam um drone e todo o equipamento necessário para a pré-mistura dos defensivos, bem como um gerador para carregar as baterias, e são equipadas com uma plataforma elevada onde o “piloto” do drone fica para observá-lo durante a pulverização. O dia destas equipes geralmente começa bem cedo, entre 3h às 4h da manhã, para aproveitar a sua limitada janela de aplicação; como os drones são mais adequados para aplicações de baixos volumes, estas são mais suscetíveis a problemas com calor e baixa umidade.

A adoção dos drones DJI não significa que os dias da ARPAC como desenvolvedora de drones acabaram; Eduardo, Ênio e sua equipe ainda estão desenvolvendo drones especializados com algumas soluções muito criativas para a indústria petrolífera offshore. Eles também tinham um grande drone pulverizador com um revolucionário sistema de propulsão híbrido sendo construído, quando a enchente de 2024 no Rio Grande do Sul atingiu a sede da ARPAC em Porto Alegre – a empresa se mudou após isso – e manteve o protótipo submerso por vários dias. Devido aos danos causados ​​pela enchente, este projeto  está parado no momento, mas dadas os feitos desta jovem equipe de empreendedores, não ficaremos surpresos se em breve vermos um novo drone projetado pela ARPAC mudando o cenário da operação agrícola de drones no Brasil.

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