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Que Tanta Pressa?

Dois incidentes marcantes que testemunhei no início de minha carreira na aviação agrícola ilustram os perigos de se fazer as coisas com pressa, e a necessidade de se seguir procedimentos padronizados em todas as fases do voo, desde o táxi para decolagem até o pouso. O primeiro aconteceu quando eu estava voando um Cessna 188 em um pequeno aeroporto que tinha um razoável número de aviões particulares.

Tínhamos feito uma pausa na operação devido ao vento, e enquanto estacionávamos o avião, vimos um homem ir correndo para um Piper Tri-Pacer e apressadamente soltá-lo das estacas e embarcar. À uma partida imediata do motor se seguiu uma decolagem rápida, mas não por muito tempo. Poucos minutos depois o avião retornou ao aeroporto soltando fumaça do motor, mas felizmente conseguiu pousar com segurança na pista.

O problema foi que o piloto tinha esquecido de remover as almofadas que fechavam as entradas de ar para o motor, por não ter feito a inspeção pré-voo. Lá se foi um motor fundido.

O segundo ocorreu durante uma clínica de calibração local, um evento no qual operadores vinham com seus aviões para calibrar seus sistemas agrícolas. No que as atividades do dia estavam se encerrando, todo mundo começou a se preparar para retornar às suas respectivas bases. Havia uma linha de instabilidade ao noroeste se deslocando em direção ao local do evento, e um dos pilotos estava particularmente apressado para decolar.

Má decisão. O piloto, na pressa de voltar para casa, deixou de remover as travas do leme e dos ailerons. Nunca antes nem depois eu vi um avião tão fora de controle conseguir voltar para o chão, o que o piloto fez para total espanto de muitos dos que olhavam, dado que havia um razoável vento de través. Eu cheguei a correr para um de nossos veículos de apoio para pegar um extintor de incêndio, caso a situação terminasse em um acidente.

O Advento do Checklist

Uma das primeiras coisas que se ensina para um aluno de pilotagem é o desenvolvimento de bons hábitos (tais como a inspeção pré-voo), os quais irão evitar um “gancho” por um ato de descuido, momento de esquecimento ou mero desleixo. Uma boa parte desse processo é o desenvolvimento da capacidade de se tomar boas decisões, as quais tornarão cada voo uma experiência prazerosa e produtiva.

Junto com isso vem o fato de que o sucesso na aviação depende de uma grande gama de habilidades adquiridas; da pilotagem do avião, passando pela capacidade de se comunicar  efetivamente, até saber navegar com sucesso. Acrescente a estas atividades tradicionais da aviação o gerenciamento efetivo da dispersão dos produtos e o uso efetivo do GPS para o seu direcionamento, e você começa a ter uma lista grande de coisas para gerenciar ao voar agrícola.

Parte da capacidade de lidar efetivamente com essa carga de trabalho recai na adesão aos procedimentos das listas de verificação (checklists), desenvolvidos pelos fabricantes de aeronaves. Na verdade, os primeiros checklists foram desenvolvidos durante os testes em voo do Modelo 299 da Boeing, o qual veio a se tornar o famoso B-17 na Segunda Guerra Mundial. Após decolar para um voo de teste em 1935, o avião estolou e caiu, incendiando-se com o impacto.

Não tendo encontrado nenhuma evidência de pane mecânica, a equipe de investigação designada para a apuração concluiu que a causa do acidente tinha sido um erro de pilotagem. Evidentemente, os pilotos tinham cometido um simples porém fatal erro com os controles de voo, tendo deixado de soltar as travas do leme e do profundor.

A solução para o problema foi simples e efetiva: desenvolver uma lista de verificação para os pilotos, para garantir que itens críticos não fossem esquecidos. Hoje não conseguimos imaginar operar uma aeronave sem um check list, mas na época do B-17, era uma ideia inovadora.

Embora esteja se tornando um fato cada vez menos comum (felizmente), muitos de nós já transicionamos de um avião para outro sem um checklist, ou mesmo sem um manual de voo. São casos de aprendizado pela prática, torcendo para que tudo dê certo no processo de conversão. Na sua maior parte, porém, os novos aviões agrícolas vêm acompanhados de ampla documentação, com procedimentos e checklists que os operadores deveriam conhecer (e seguir) rigorosamente.

Calçando as Sandálias da Humildade

E aí ocorrem aquelas situações nas quais uma mera falta de atenção pode resultar em um incidente ou acidente. Me pediram no último minuto para transladar um Thrush que tinha recém passado por uma conversão para turbina, da base da empresa para uma pista agrícola próxima, um voozinho curto. Como eu tinha umas duas mil horas no tipo, não me preocupei duas vezes. E lá fui eu em um voo de 15 minutos para a outra pista, a qual era bem comprida mas também muito estreita.

Configurando o avião na final, usei a mesma velocidade de aproximação de 80 milhas por hora que uso em praticamente todo avião agrícola. Arredondando para um pouso de pista, me surpreendi quando errei meu julgamento de altura, fiz um contato mais do que firme com a pista e o avião saltou de volta para o ar.

Decidi arremeter e fazer outra aproximação, para a cabeceira oposta, já que o vento era calmo. A mesma coisa aconteceu, “Boing!”, e lá estava eu no ar de novo.

O problema na verdade eram dois, o primeiro dos quais eu deveria ter previsto de cara. Eu tinha estado voando a partir de uma pista de 50 metros de largura pelo último mês inteiro, mais ou menos, e essa nova pista agrícola tinha 12 metros de largura. Assim, quando eu arredondava, eu não me dava conta de que eu estava mais baixo do que eu realmente estava.

O segundo fator contribuinte era que o velocímetro daquele avião estava em nós e não em milhas por hora. Assim, minha velocidade de aproximação era na verdade de 92 milhas por hora e não 80 como eu esperava. Juntos, os dois fatores resultavam em um pouso menos do que ideal, testemunhado, é claro, por meia dúzia de outros pilotos na nova pista.

De um jeito ou de outro, finalmente consegui dominar a situação, pousei com segurança e taxiei para o estacionamento, mais do que um pouco envergonhado. Olhando em volta na cabine, finalmente notei um checklist colado no lado esquerdo do painel de instrumentos.

Um dos itens na seção Aproximação e Pouso era Velocidade: 65-70 KIAS. Se eu tivesse tirado só um pouquinho de tempo para dar uma boa olhada na instrumentação da cabine, eu teria me poupado de um bom constrangimento. Eu também conseguia imaginar os deuses da aviação me oferecendo as Sandálias da Humildade para eu calçar, enquanto riam e perguntavam “Que Tanta Pressa?”

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