Se você voar sobre o estado de São Paulo, seguido você se encontrará sobre um verdadeiro “oceano verde” de cana-de-açúcar, se espalhando até onde a visão alcança. Isto é o resultado da popularidade do uso do etanol como combustível no Brasil. Iniciado com o programa Proálcool no final dos anos 1970, como uma resposta à crise do petróleo de 1975, o etanol quase caiu em desuso nos anos 1990, com a volta do petróleo barato e os problemas técnicos dos carros com carburador para esse combustível. Porém, os avanços da tecnologia que permitiram os motores flex o trouxeram de volta no início dos anos 2000, e com a atual demanda mundial por veículos sustentáveis, este combustível neutro em carbono é uma excelente opção frente aos caros automóveis elétricos.
Além das aplicações na cana-de-açúcar, o etanol também deu um grande estímulo à aviação agrícola brasileira como combustível aeronáutico. Mais barato e mais facilmente encontrado no Brasil do que o avgas, a maioria dos aviões agrícolas a pistão no país hoje usa este combustível.
Antes famoso como produtor de café, o estado de São Paulo hoje tem 5,6 milhões de hectares plantados com cana-de-açúcar, 55% do total da área de cana brasileira. E foi neste oceano de cana-de-açúcar na cidade de Ourinhos que AgAir Update visitou uma empresa aeroagrícola familiar muito bem sucedida, a Pardal Aviação Agrícola.
A carreira do piloto e empresário Eitor Martins Jr. na aviação começou por influência de seu pai, que sofreu a frustração de não ter podido ser um piloto. Eitor começou a voar quando tinha 17 anos, no Aeroclube de Ourinhos, onde fez seu privado. Ao mesmo tempo, começou a cursar Direito, e quanto terminou a faculdade, já tinha suas licenças de piloto comercial e de instrutor de voo, e trabalhava dando instrução, lançando paraquedistas e rebocando faixas. O recebimento de uma casa em herança deu a ele a oportunidade de começar seu próprio negócio; Eitor vendeu essa casa e comprou um Cessna 185 para lançar paraquedistas. A empresa teve sucesso, e seis meses depois Eitor comprou outro Cessna, um 180. Posteriormente, ele acabaria por comprar um terceiro Cessna, um 182, e operou esta empresa por dez anos.
Eitor estava satisfeito com essa empresa, mas a certa altura cansou de trabalhar nos finais de semana, quando ocorria a maior parte das operações, pelo desgaste que isso causava em sua vida familiar. Assim, quando um amigo o convidou para iniciar uma empresa aeroagrícola em sociedade, Eitor achou que seria uma boa ideia. Mas primeiro, Eitor tinha de aprender a voar agrícola. Para isso, ele fez o CAVAG do Aeroclube de Itápolis em 2003 e voou na safra 2003/2004 como piloto empregado, para aprender sobre o negócio.
Após isso, em 2004, Eitor e seu amigo iniciaram as operações da Pardal Aviação Agrícola Ltda.no estado de Mato Grosso. O sócio de Eitor queria que o nome da empresa fosse uma combinação dos nomes dos dois, mas Eitor não gostou disso e pediu que a nova empresa tivesse o nome de “qualquer bicho que voe”, daí o nome da Pardal. Foi melhor assim, pois o sócio de Eitor saiu da empresa dois anos depois. Eles começaram com um dos primeiros Ipanemas, um EMB-200 “queixo duro” (com hélice de passo fixo), e no segundo ano compraram um EMB-202 usado. Mas a empresa enfrentava dificuldades, e quando a fazenda de seu maior cliente foi adquirida por um grupo que tinha sua própria aviação agrícola, o sócio de Eitor desistiu da empresa.
Foi quando Eitor decidiu levar a empresa para sua cidade natal, enquanto sua esposa Renata Martins assumia a parte do sócio que tinha saído. Renata sempre apoiou Eitor em todas as suas decisões, a ponto de se formar em engenharia agrícola para trabalhar como agrônoma da empresa.
Em seu segundo ano com a Pardal em Ourinhos, Eitor decidiu aumentar agressivamente a base de clientes na empresa. Embora ele tenha tido muito sucesso nisso, Eitor diz que “foi um erro”. Para atender à demanda de serviço, ele teve de arrendar quatro Ipanemas, contratar quatro pilotos e quatro técnicos e comprar quatro caminhonetes de apoio. Ao final daquela safra, Eitor se deu conta de que tinha trabalhado sem parar e, após pagar todas as contas, foi quem menos ganhou. Por conta disso, ele decidiu reduzir a empresa ao porte original, voando apenas com seus próprios aviões.
Em 2008, Eitor comprou o primeiro avião de grande porte da Pardal, um Thrush radial usado. Naquela época, muitas usinas de cana-de-açúcar costumavam aplicar fertilizantes granulados em altos volumes, e a produtividade de um avião de maior porte era necessária. A Pardal operou este avião até 2022, nunca tendo nenhuma pane séria com ele.
Por essa época, Eitor já tinha se dado conta de que os dois Ipanemas antigos eram o maior problema de sua empresa. Suas panes frequentes geravam altos custos de manutenção e ainda resultavam em alta indisponibilidade, atrasando os serviços. Com grande sacrifício pessoal – ele chegou a dar sua casa como garantia em um financiamento – Eitor comprou dois ipanemas novos em 2011, um totalmente pago e o outro financiado.
Eitor conta que esse foi o momento de um salto financeiro na empresa. Os aviões novos não davam problemas de manutenção, e ele pode obter contratos com as principais usinas de cana da região, as quais exigiam equipamentos novos de suas contratadas.
Em 2015, Eitor fez o que chama de “sua melhor compra”: um Air Tractor AT-502 que ele comprou usado da AeroGlobo. Seus clientes ficaram muito satisfeitos com a produtividade desse avião; aplicações que antes exigiam um dia inteiro de serviço com os aviões a pistão, agora podiam ser feitas em poucas horas com o AT-502, aproveitando os períodos mais favoráveis do dia.
Apesar disso, um dia Eitor se encontrou em um “tiro interminável” sobre uma área de cana-de-açúcar com o AT-502, e pensou que seria bom ter um “avião de 100 hectares”. Como a maior parte das aplicações da Pardal são feitas a 30 lts/ha, com apenas umas poucas a 20 lts/ha ou 40 lts/ha, o AT-502 de 500 galões (1.892 lts.) pode carregar uma carga para “apenas” 60 hectares, enquanto que um AT-802 de 800 galões (3.028 lts.) pode carregar produto suficiente para 100 hectares.
Assim, em 2020, Eitor vendeu seu AT-502 e começou a procurar por um 802. Ele queria um que tivesse pouco uso, e encontrou um modelo 2017 com poucas horas totais sendo vendido pela DP Aviação. Ele rapidamente fechou o negócio.
Eitor não poderia estar mais satisfeito com seu AT-802. Motorizado com a turbina PT6A-67AG, Eitor diz que com ela o avião “não tem limitações”, decolando com carga total de qualquer uma das pistas agrícolas das quais a Pardal opera, voando com muita segurança e sendo capaz de fazer o trabalho de cinco Ipanemas. Seus clientes apreciaram a produtividade ainda maior do 802, e após a safra agrícola, a Pardal Aviação Agrícola obteve um contrato para o combate ao fogo, graças ao AT-802, algo que Heitor não tinha planejado mas que ajudou a pagar o avião.
A Pardal Aviação Agrícola tem uma sede muito bem organizada e limpa dentro da cidade, no aeroporto de Ourinhos (Aeroporto Estadual Jornalista Benedito Pimentel – SDOU), onde ficam baseados o AT-802 e dois Ipanemas EMB-203 novos. De lá, eles saem para operar em cerca de 20 pistas agrícolas dos clientes da Pardal, todas em um raio de 50 km da base. Ao limitar suas operações a um raio de 50 Km da sede, a Pardal Aviação Agrícola pode usar veículos de apoio menores e evitar despesas com pernoite de pessoal.
A Pardal Aviação Agrícola trata quase que exclusivamente cana-de-açúcar. Sua safra começa após as primeiras chuvas da primavera, no final de setembro ou mais geralmente no início de outubro, com aplicações de fertilizantes foliares. Aplicações de fertilizantes granulados, anteriormente frequentes na cana, são raras hoje. O número de aplicações depende do cliente. Por vezes, aplicações de inseticidas e fungicidas são realizadas conforme exigido.
As aplicações de fertilizantes foliares prosseguem até fevereiro, quando começam as aplicações de inibidores de florescimento, pré-maturadores e maturadores, as quais prosseguem até junho ou julho. Recentemente, algumas usinas começaram a aplicar um fertilizante pré-seca em uma preparação da cana para o período sem chuvas no inverno. A entressafra da Pardal ocorre em agosto e setembro, mas chuvas extemporâneas podem levar a aplicações de maturadores, para evitar a interrupção do ciclo vegetativo da cana.
Os aviões da Pardal usam bicos da CP Products e da Travicar em suas aplicações. Os Ipanemas tem sistema agrícola Travicar, enquanto que o Air Tractor AT-802 foi adquirido com um sistema agrícola Zanoni. Todos os aviões agrícolas da Pardal usam unidades GPS Travicar.
A Pardal é uma empresa realmente familiar, posto que Renata não é o único membro da família a ajudar Eitor a operá-la; sua nora Larissa Wako (que também é colunista contribuinte de AgAir Update, com a coluna “Além do Voo”) lida com as questões administrativas, e seu filho Pedro de Azevedo Martins, casado com Larissa, criou com ela uma empresa de pulverização com drones (veja a matéria ao lado), a qual complementa o trabalho da Pardal, tratando daquelas áreas onde um avião não pode pulverizar.
Um empresário inteligente, Eitor fez da Pardal Aviação Agrícola uma história de sucesso ao usar a ferramenta certa para cada trabalho: um Air Tractor AT-802 de grande porte para as maiores áreas, e dois Ipanemas EMB-203 para os trabalhos menores.
SIDEBAR
A Cavok Drones
Pedro de Azevedo Martins, apesar de ser piloto comercial, não se interessou em seguir os passos do seu pai como piloto agrícola. Ele voou na aviação executiva por algum tempo, mas em 2015, começou a operar drones em mapeamento e fotografia aérea. Quando a empresa chinesa DJI Technology Co. introduziu seu modelo Agras T30, com capacidade para 30 litros de defensivos, Pedro achou que ele tinha potencial para aplicações aéreas.
Para testar o mercado, ele e sua esposa Larissa criaram a Cavok Drones Ltda., baseados em sua experiência com as operações da Pardal Aviação Agrícola. Eles tiveram o apoio de Eitor, já que muitos dos clientes da Pardal queriam que ele usasse drones para pulverizar aquelas áreas que não podem ser tratadas por avião, seja devido a obstáculos ou por questões regulatórias (as áreas de exclusões para aplicações de drone são muito menores do que as para aviões agrícolas).
De acordo com Pedro e Larissa, iniciar uma empresa de pulverização por drones exige um investimento alto, já que ela é uma empresa aeroagrícola em escala menor. Além do drone, é necessário ter um veículo de apoio grande o suficiente para carregar o drone, um tanque de pré-mistura, e um gerador para carregar as baterias. A Cavok Drones usa um gerador de 13 Kva que pesa 130 kg, e é “nossa maior dor de cabeça”, como diz Pedro. A operação exige um “piloto” para o drone e um técnico agrícola formado, para preparar as caldas e carregá-las no drone. Ao contrário da aviação agrícola convencional, onde cada carga é misturada individualmente antes de cada voo, a Cavok Drones mistura uma quantidade maior de calda (até 200 litros) e depois a fraciona em várias cargas no drone. Atualmente, a maioria das aplicações por drone estão sendo feitas nos mesmos volumes usados pelos aviões agrícolas, obedecendo a bula do produto. Os produtos aplicados por drone devem ter bula para aplicação aérea, e espera-se para breve o lançamento de produtos com bulas específicas para aplicações por drone, com menores volumes para estes. A Cavok Drones faz os mesmos tipos de aplicação que a Pardal Aviação Agrícola faz na cana-de-açúcar: fertilizantes, maturadores, inseticidas e fungicidas. A grande maioria dos clientes da Cavok são os mesmos da Pardal.
O drone DJI T30 geralmente usa bicos de jato leque 110-01 de pulverizadores terrestres, ou bicos TeeJet similares. Pedro diz que o Dr. Wellington Pereira Alencar de Carvalho efetuou testes de deposição de seu drone com bons resultados. O drone DJI T30 tem um “downwash” bastante forte, tanto que se for mantido pairado em altura de pulverização sobre soja, ela sairá amassada. Não é recomendado que se opere o drone próximo a redes elétricas, pois os campos eletromagnéticos gerados por elas podem interferir com os sensores do drone. Um voo de pulverização de drone geralmente dura 10 minutos, restritos pela bateria. É comum que o drone retorne para uma troca de bateria ainda com defensivo em seu hopper.
Pedro e Larissa relatam que alguns operadores de drone ilegais e aventureiros estão fazendo aplicações indevidas e/ou de má qualidade, criando uma má reputação para esta atividade. A Cavok Drones é homologada pelo Ministério da Agricultura, tanto para a operação agrícola de drones como para ministrar treinamentos para estas operações.