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Living Legend Eduardo Araújo

Lenda Viva: Eduardo Araújo

Uma vida dedicada à Aviação Agrícola

por Ernesto Franzen

A vida do engenheiro agrônomo Eduardo Cordeiro Araújo é um paralelo à história da aviação agrícola no Brasil. Ele nasceu em Pelotas, RS, em 1945, apenas dois anos antes de Clóvis Candiota e Leôncio Fontelles fazerem a primeira aplicação aérea no Brasil, em 1947, naquela mesma cidade. Crescendo em Pelotas, cidade que tem na agricultura e na agroindústria suas principais atividades econômicas, bem como tinha, à época, um ativo Aeroclube, Araújo desenvolveu simultaneamente uma atração pela aviação e pela agricultura. Ele tirou sua licença de piloto privado em 1965, antes de se formar como engenheiro agrônomo no início de 1968. Naquela época, havia apenas uma empresa aeroagrícola privada no Estado do Rio Grande do Sul (a AgroAvião, de Carazinho), mas pouco depois duas empresas foram fundadas no Estado, uma exatamente em Pelotas – a Agroar – da qual Araújo recebeu o convite para nela trabalhar como engenheiro agrônomo.

No início das operações da Agroar, em 1969, ela recebeu a visita do então Major e posteriormente Tenente-Coronel Marialdo Rodrigues Moreira, oficial da Força Aérea Brasileira, cedido ao Ministério da Agricultura com a missão específica de organizar o setor de aviação agrícola, que começava a dar sinais de atividade crescente. Marialdo foi o criador de boa parte da legislação que ampara legalmente a aviação agrícola no Brasil. Em 1969, Marialdo Moreira passou uma semana na região de Pelotas, acompanhando a atuação da Agroar, observando a campo a realidade da atividade, visando subsidiar novas normativas, tal como a que exige curso de formação e certificação de técnicos executores em aviação agrícola. Esta visita foi de grande importância para Araújo, pois a relação, profissional e pessoal com Marialdo teve grande influência no futuro de Araújo na aviação agrícola.

Araújo começou na empresa como engenheiro agrônomo e coordenador técnico, mas pretendendo se tornar piloto agrícola, seguiu voando sempre que possível nos aviões do Aeroclube ou de proprietários privados, acumulando horas de voo.

Além disso, Araújo recebeu valiosa instrução de voo ministrada pelo primeiro piloto contratado pela Agroar, Cesar Lunardini, oriundo do II CAVAG. Excelente pessoa e exímio profissional, Lunardini logo fez amizade com Araújo, que até hoje lamenta seu falecimento precoce. Lunardini assumiu o treinamento de Araújo para operação dos aviões da Agroar- dois Cessna A188 (“Agwagon”), novos. Ele “solou” Araújo no Agwagon, em julho de 1970, pois como Araújo detinha a habilitação de piloto comercial, podia, com ela, voar aviões agrícolas desde que não carregados e não realizando aplicações aéreas. A partir de então, usufruindo da generosidade de Lunardini, que cedia a Araújo quase todos os voos de translado. Além do ganho em experiência na pilotagem dos Agwagon, esta estratégia permitiu que Araújo completasse as horas de voo exigidas para ingresso no CAVAG, para obtenção da habilitação de piloto agrícola.

Cesar Lunardini (E) e Eduardo Araújo (D) quando do solo de Araújo no Cessna Agwagon em  Ijuí, 1970.

 

Neste mesmo ano de 1970, Araújo teve sua oportunidade, quando o Ministério da Agricultura promoveu o único CAVAG do CENEA – o IV – que não ocorreu na Fazenda Ipanema, mas sim em Pelotas. Após obter seu certificado de habilitação como piloto agrícola, Araújo conseguiu voar agrícola na Agroar, “mas não muito”, como ele conta, porque seu trabalho como agrônomo era frequentemente mais demandado.

Turma do IV CAVAG, Pelotas, 1970. Araújo é o segundo a partir da esquerda, agachado.

 

Araújo deixou a Agroar em 1972, e foi convidado a trabalhar em São Paulo na então recém criada e primeira entidade de classe empresarial da Aviação Agrícola, a ANAPLA, onde atuou como Secretário Executivo por cerca de um ano e, após, passou a trabalhar com o Cel. Marialdo, então recentemente reformado da Aeronáutica, em sua empresa de Consultoria Aeronáutica (ASA). Nessa época, a Embraer tinha recém começado a comercializar os primeiros Ipanema, o modelo EMB-200, e o mercado estava em polvorosa. O Ipanema original, de 260 HP e hélice de passo fixo, tinha sido projetado, construído e certificado em tempo recorde e por isso tinha algumas inadequações de projeto, além dos problemas normais em um novo modelo. Pilotos e empresários o comparavam com os modelos A188 da Cessna (Agwagon e Agtruck) e o Piper Pawnee, os quais julgavam ser superiores. E para piorar as coisas, havia uma lei naquela época, em que o país tinha falta de dólares, proibindo a importação de qualquer equipamento que tivesse similar nacional. Isso gerou a proibição da importação dos Cessna e de outros aviões agrícolas

Araújo e Marialdo propuseram à EMBRAER, que aceitou, a realização de um projeto para fazer um “tour” de visitas aos ainda poucos operadores do Ipanema, colhendo críticas e sugestões para melhorar o avião..

Tão logo a Embraer tomou conhecimento do Relatório preparado pelos dois profissionais da ASA, concluiu que este processo de avaliação e melhoria do produto deveria ocorrer rotineiramente e realizado internamente na empresa, assim em julho de 1973, Eduardo Araújo foi convidado a trabalhar na Embraer. Deixar de trabalhar com seu amigo Marialdo foi uma decisão difícil para ele, mas Araújo acabou indo para a Embraer, lotado no departamento de marketing, visando, pelo contato estreito com os operadores, continuar a colher subsídios para o aprimoramento do projeto do Ipanema. Disso resultou a versão EMB-200A, idêntica à EMB-200 mas com hélice de passo variável, e posteriormente na versão EMB-201, com motor de 300 HP e injeção de combustível, além de um hopper de maior capacidade e rodas maiores.

Sempre disposto a voar, Araújo chegou a trabalhar por alguns meses como piloto de teste de produção, voando os Ipanema novos assim que saiam da linha de produção, para se certificar que seu comportamento em voo correspondia às especificações. Isso durou menos de um ano, segundo ele, até a contratação de dois novos pilotos para a área  de ensaios em voo.

Além da continuidade de seu trabalho rotineiro, Araújo passou então a dedicar parte de sua atividade na Embraer à prospecção de novos mercados, que no entender dele deveria ser prioritária, inclusive para reduzir as acirradas competições entre os operadores para disputar estreitas fatias de mercado. Dizia ele que “Tão ou mais importante que vender aviões é vender a Aviação Agrícola”

Um grande projeto que se enquadrava neste conceito foi concretizado em 1975 no litoral do Estado de São Paulo: um surto de encefalite transmitida por mosquitos levou a Embraer a cooperar com a Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) daquele Estado, na primeira operação de controle aéreo de vetores no Brasil. A Embraer cedeu gratuitamente avião (EMB-201), piloto (Araújo, que planejou e coordenou as operações aéreas na área de avaliação – município de Mongaguá), mecânico e combustível. Definidos os parâmetros de operação, nas três primeiras aplicações a cargo da Embraer, o restante da área (municípios de Itanhaém e Peruíbe) ficou a cargo de dois EMB-200 do Ministério da Agricultura, coordenados pelo Eng.Agr. José Carlos Christofoletti. Apesar do grande sucesso daquela aplicação pioneira, até hoje esse tipo de operação não se repetiu no Brasil, exceto por uma aplicação de larvicidas no rio Pinheiros, no centro da cidade de São Paulo, em 2006, operação esta planejada e coordenada também por Araújo, cuja nova empresa, a Agrotec, fora contratada pelo fabricante do larvicida utilizado, tudo sob a supervisão do Centro de Controle de Zoonoses, da Prefeitura de São Paulo.

Ainda em 1975, Araújo realizou aplicações experimentais de fungicida em Cajueiros no Estado do Ceará, como parte de um Projeto de Pesquisas desenvolvido pela EMBRAPA, Ministério da Agricultura e Secretaria da Agricultura daquele Estado.

Aplicação experimental de fungicida em cajueiros, efetuada por Eduardo Araújo no Ceará em 1975.

 

As melhorias e o aprimoramento no Ipanema continuaram; após sugestões adicionais de operadores, apresentadas em um encontro promovido pela Embraer, em 1976, em Guarujá, SP. Naquele mesmo ano, foram incorporadas novas modificações no Projeto, que resultaram no lançamento do modelo EMB-201A.

Pouco depois disso, Araújo deixou a Embraer para criar, a convite de alguns produtores rurais amigos seus, uma empresa aeroagrícola em sua cidade natal de Pelotas – a Mirim Aviação Agrícola Ltda. Araújo começou a Mirim, ao final de 1976, com um único Ipanema EMB-201, acumulando as funções de piloto e de engenheiro agrônomo da empresa. Sob a direção de Araújo, a Mirim Aviação Agrícola cresceu a partir deste primeiro avião para se tornar, uma das maiores aeroagrícolas do Brasil, chegando a ter, em uma certa época, 16 aviões.

Mesmo após sua saída da Embraer, esta continuou, esporadicamente, a solicitar seus serviços. Em 1977, Araújo trabalhou com a Embraer para comprovar que aplicações aéreas de fungicida nas lavouras de trigo eram eficazes, enquanto, em contrapartida, eram consideradas “inefetivas” e contra-indicadas pela Embrapa. Como resultado deste trabalho, que apresentou resultados positivos, a Embrapa passou a indicar a aplicação aérea de fungicida no trigo. E em 1978, Araújo, mais um piloto e um Engenheiro da Embraer viajaram por várias regiões agrícolas do México com um Ipanema EMB-201A, para apresentar o avião aos operadores da então pujante aviação e agrícola mexicana,

Em 1992, Araújo criou outra empresa, a Agrotec Tecnologia Agrícola e Industrial Ltda., inicialmente com o objetivo de especializar técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos, na tecnologia de aplicação aérea. A Agrotec foi a primeira empresa privada autorizada pelo Ministério da Agricultura a realizar tais treinamentos, tornados obrigatórios pela Legislação.

Araújo passou cerca de 4 anos dividindo seu tempo entre a Mirim e a Agrotec. Em 1995 chegaram finalmente os ansiosamente aguardados equipamentos DGPS para uso em aeronaves agrícolas, os quais viriam a deflagrar uma autêntica “Revolução Tecnológica” em nossa aviação agrícola. A Mirim foi pioneira no uso do DGPS no Brasil e, a pedido da empresa paulista EMBRASA, que viria a ser representante de uma das marcas concorrentes, testou e recomendou uma das marcas (a Satloc), que passou a liderar o mercado. Além dos testes funcionais em solo e em voo, foram realizadas operações reais em áreas de plantio de arroz nos arredores de Pelotas, todas bem sucedidas, e o DGPS de teste permaneceu utilizado ao longo de toda a safra 1995/1996. A Agrotec, que inicialmente havia sido contratada apenas para a etapa de testes, passou a se responsabilizar, também, pela Assistência Pós-venda (treinamento dos operadores e manutenção dos equipamentos), para o Brasil e Uruguai

Por mais relevante que tenha sido a atuação de Eduardo Araújo como profissional e empreendedor na aviação agrícola, há uma contribuição dele ainda maior para nossa atividade, no associativismo. Araújo sempre foi convicto da importância da união das empresas de aviação agrícola em torno de associações, de abrangência regional ou mesmo nacional. Ele serviu por um período curto à ANAPLA (Associação Nacional dos Aplicadores Aéreos), de 1972 a 1973. Após, participou da fundação, em 1980, da FENAG (Federação Nacional de Aviação Agrícola, na qual exerceu diversos cargos, inclusive o de presidente.. Participou ativamente dos trabalhos da ASUPLA, associação que reunia as empresas do Rio Grande do Sul. A FENAG veio a dar origem ao atual SINDAG, fundado por empresários, entre os quais se achava Araújo, então representando a Mirim Aviação Agrícola, em 1991. Também no SINDAG desempenhou vários cargos, desde vice-presidente na primeira Diretoria, presidida por Euclides de Carli, depois Diretor Técnico e atualmente, Consultor.

 

Por sua história de trabalhos e luta pela Aviação Agrícola, Eduardo Araujo foi um dos dois primeiros homenageados com a Medalha Mérito da Aviação Agrícola que lhe foi conferida pelo Sindag em 2017.

Duas Lendas Vivas da aviação agrícola, Bill Lavender (E) e Eduardo Araújo (D), após uma tarde rememorando histórias.

 

Hoje aposentado, Eduardo Araújo reflete sobre o passado. Ele tem muito orgulho de sua atuação na EMBRAER, da criação e desempenho da Mirim e da criação da Agrotec e seu protagonismo na implantação da era do GPS no Brasil; sente-se realizado pelo fato de que, criadas as duas empresas, permanecem sadias e atuantes, mesmo passados muitos anos de sua saída, indicando que o processo de sucessão empresarial foi exitoso. Sente-se ainda como fazendo parte do papel do SINDAG na promoção e proteção da aviação agrícola brasileira. Por outro lado, Araújo vê com muita tristeza e indignação o preconceito tomando conta de pessoas e instituições, levando-as a, equivocadamente, rejeitarem a atividade aeroagrícola, atribuindo a ela males dos quais não tem ela nenhuma culpa ou responsabilidade. Movimentos político-ideológicos demonizam sem fundamento a atividade e chegam ao ponto de convencerem legisladores e membros do Poder Judiciário a promulgarem e validar Leis Estaduais e Federais que restringem ou até mesmo proíbem aplicações aéreas, como no caso do Estado do Ceará, onde Araújo conduziu aplicações experimentais em cajueiros em 1976. Eduardo Araújo é um destacado membro daqueles empresários, pilotos, agrônomos, técnicos agrícolas e mecânicos que iniciaram a era da aviação agrícola brasileira moderna, profissional e técnica a partir do final dos anos 1960.

Por outro lado, o da modernização e profissionalismo das empresas, Araújo vê com otimismo o setor, hoje modernizando sua frota, capacitando seus pilotos e demais colaboradores, tudo impulsionado por um grupo de jovens dirigentes das entidades de classe, em especial o SINDAG e o seu braço, o IBRAVAG, o qual possibilita associar ao sistema também os produtores rurais que possuam aviões agrícolas para uso em suas próprias lavouras.

FOR THE COVER: Trim on Araújo’s face. Make sure the sling doesn’t show.

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