Do Algodão ao Céu: Grupo Shimohira e Ivan Negretti embarcam no Thrush 710
Com 68 safras consecutivas de algodão no Brasil, a família Shimohira construiu seu legado na coragem de desbravar novos territórios e na disposição inata para abraçar inovações. É esse mesmo espírito pioneiro que encontra na cabine do Thrush 710 o olhar clínico de Ivan Negretti — um piloto que não abre mão do capricho, da técnica e da precisão em cada voo.
Raízes e Asas
Ivan Alex Negretti, 42 anos, nasceu em Campos Novos, Santa Catarina, mas desde 1994 vive na Bahia (para onde seus pais haviam emigrado). Casado e pai orgulhoso de Pietro, hoje com dois anos e cinco meses. A trajetória de Ivan nos céus começou por influência de Boris Makowich, seu amigo e piloto agrícola já falecido. Estimulado pelas conversas sobre voos e pulverização, Ivan dedicou o início de 2015 aos estudos em casa e, em seguida iniciou os cursos teóricos na EJ – Escola de Aviação Civil e o prático no Aeroclube de Itápolis (SP), em abril de 2015. Após 400 horas de voo em instrução — concluiu, em outubro de 2016, todas as habilitações desde o Piloto Privado (PP), Piloto Comercial (PC), Voo por Instrumentos (IFR), instrutor de voo (INVA) e chegando a certificação no Curso de Piloto Agrícola (CAVAG).
Ainda em outubro de 2016, foi contratado pelo Grupo Shimohira para pilotar um Embraer Ipanema 202A em sua primeira safra. O conhecimento na região vem de longa data, pois seus pais Ari e Maristela instalaram-se na Fazenda Estrondo e foram responsáveis por ajudar a desbravar a região. Fazenda essa que hoje tem parte arrendada pelo Grupo Shimohira. Crescendo entre os campos de Formosa do Rio Preto, Ivan conheceu a Fazenda Estrondo antes mesmo de sonhar com a carreira de piloto.
A família Shimohira detém o recorde de longevidade no cultivo de algodão no Brasil. Tudo começou em 1957, quando Haruyoshi Shimohira desembarcou do Japão, aos 23 anos, acompanhado da esposa Kazuko. Convidados pelos Maeda para trabalhar nas primeiras plantações em escalas industriais de algodão do Brasil, em Ituverava (SP), Haruyoshi não demorou a lançar seu próprio cultivo: já no primeiro ou segundo ano, plantou cerca de três hectares por conta própria. Desde então, sem nunca interromper, sua família acumula mais de seis décadas de safras consecutivas de algodão – um feito único no país.
Na virada dos anos 1960, a operação ainda modesta em São Paulo deu lugar a novos horizontes. Nos anos 1970, Haruyoshi transferiu-se para Goiás, expandindo a área plantada. Logo depois, aportaram na Bahia e, mais recentemente, estenderam negócios ao Piauí e ao Tocantins. Na década de 1980, seus filhos Paulo e Mário começaram a integrar a gestão das lavouras. Hoje, Paulo – formado em Engenharia Agronômica – comanda o grupo, tendo herdado tanto a tradição quanto a ambição de crescimento; Haruyoshi, aos 93 anos, continua visitando as plantações, e a terceira geração já atua nos campos.
Quando Paulo concluiu sua formação, a família manejava cerca de 400 hectares distribuídos em três propriedades. Desde então, por meio de aquisições e arrendamentos, alcançaram uma extensão total de 18.000 hectares. Na Bahia, onde o piloto Ivan trabalha com o grupo, são 10.500 hectares de área — 5.000 destinados ao algodão e 5.500 à soja. Ao contrário do Centro-Oeste, optam por um único ciclo por ano: começam o plantio da soja em outubro e encerram a colheita do algodão em agosto, totalizando quase dez meses de atividade contínua. Nas áreas de soja, após a colheita, praticam cobertura com milheto, sorgo ou braquiária para conservação do solo.
A Fazenda Indiana serve como sede e base aérea para as pulverizações, além de ponto de apoio às fazendas arrendadas ao redor. Paralelamente às operações baianas, o Grupo Shimohira planta algodão, soja, cana-de-açúcar e milho em Goiás, soja no Piauí e iniciam projetos no Tocantins — mantendo vivo, após 68 anos, o seu legado do algodão no Brasil.
Do Solo ao Céu
O Grupo Shimohira inaugurou sua operação aérea com um Ipanema 202A novo, trazido de São Paulo pelo primeiro piloto do grupo, Cmte Emilio Uriel Lopes, quando construíram a primeira pista (de terra) e um hangar. Após cinco safras, Emílio seguiu para uma nova jornada para voar um Thrush 510G em outro grande grupo da região e Ivan Negretti foi chamado para assumir o comando da máquina. Ivan pilotou o Ipanema por três safras até a chegada, em dezembro de 2019, de um Thrush 510G zero-hora (PS-PKS), que está em operação desde então.
Para acomodar o Thrush e ampliar a escala, o grupo reforçou toda a infraestrutura: ampliou-se o pátio de descontaminação, asfaltou a pista e adaptou a aeronave com o sistema completo Zanoni de pulverização (bomba, filtros, válvulas, barras e atomizadores) e um sistema AgNav Gold. Apesar de ter fazendas espalhadas até 35 km dali, toda a logística – abastecimento, manutenção e apoio de equipe – concentra-se nesse local.
Ivan conta com quatro auxiliares de campo, cada qual com atribuições bem definidas: um dedica‐se exclusivamente ao avião (checagem de entupimento e vazamentos, abastecimento e limpeza do para‐brisa); outro gerencia mangueiras e fluxos, tanto de agroquímicos quanto de combustível; o terceiro prepara e mistura as caldas; e o quarto organiza os insumos antes de cada voo. A limpeza externa da aeronave ocorre após cada parada de operação, com higienização, e a manutenção é feita na oficina ABA Manutenção, em Barreiras, Bahia.
No plano estratégico, além de Paulo Shimohira, há três suportes técnicos: Aristides Barbosa, gerente geral; Júlio Gobo, agrônomo responsável pelas aplicações e avaliações diárias; e uma consultoria externa que faz rodadas de campo para alinhamento de práticas. Na Bahia, a aviação é a espinha dorsal do serviço: inseticidas, fungicidas e adubos foliares são quase sempre aplicados pelo avião, sendo a pulverização terrestre restrita a produtos proibidos para voo.
A gestão de misturas segue rigor técnico: adubos foliares são aplicados isoladamente, inseticidas e fungicidas podem ser combinados, mas biológicos ou ULV (como Malathion) são usados puros. Na soja, realiza-se em média 8–9 aplicações por safra; no algodão, até 30 passagens completas num mesmo talhão. Um cronograma anual detalha volumes de cada produto, porém variações de pragas – como mosca‐branca, lagartas ou bicudo – podem exigir aplicações extras além do previsto. A cada ciclo, mantêm‐se vazões padronizadas de 10 L/ha (ou 18 L/ha em dessecação) e 1 L/ha em UBV, com larguras de faixa ajustadas (28–33 m e 50–75 m, respectivamente), sempre buscando paridade de número de “tiros” para máxima eficiência.
Por fim, na última safra Ivan modernizou seus atomizadores para o modelo M6, em resposta à maior velocidade de voo do Thrush 510G. O M6 ofereceu espectros de gotas mais versáteis e ajustes alinhados à realidade das pulverizações brasileiras, superando limitações dos equipamentos anteriores e ampliando o leque de configurações disponíveis para o piloto.
Aposta de Mestre: Aquisição do Thrush 710
Ivan destaca que a escolha do Thrush 710 teve algumas incertezas no início, dado o desconhecimento do novo avião no Brasil. Aqui no Brasil há uma cultura de compartilhamento, dado que boa parte dos aviões são de produtores rurais, para uso próprio (que não concorrem entre si pelo mesmo serviço), e assim não há segredos dentro do setor. Porém, ao buscar referências lá fora, Ivan esbarrou em dificuldade para obter informações de operadores comerciais, que temiam estar ajudando algum concorrente.
Mas o Grupo Shimohira apostou nesta tecnologia, com respaldo e confiança na fábrica e na própria capacidade de adaptação da sua equipe.
Ivan sequer teve tempo para uma “pré-preparação” teórica: todo o ajuste do 710 para o Brasil está sendo feito na prática por ele mesmo. Para isso, viajou até a fábrica da Thrush em Albany, Geórgia (EUA), onde passou pelo simulador oficial — um procedimento que a fabricante deve manter como padrão para todos os operadores deste modelo no primeiro momento. Foi um ponto crucial o treinamento, emissão de certificados e licenças direto nos Estados Unidos, somente necessitando a convalidação no Brasil.
Além do treinamento, a calibração da pulverização trouxe desafios inéditos. A realidade agronômica brasileira — solo, clima, tipos de pragas e culturas — difere radicalmente da América do Norte, de modo que não havia parâmetro algum para guiar a escolha dos equipamentos. Antes mesmo do 710 pousar em solo nacional, perguntas básicas demandavam respostas: que modelo de bicos instalar? Em que posição configurá-los? Em que vazões operar? Foi nesse contexto que o piloto, em parceria com a Zanoni Equipamentos, desenvolveu o primeiro sistema de baixa vazão específico para o 710, testado em bancada e em voo real até atingir a precisão necessária.
Ainda na fase de negociação do avião, o representante da Thrush no Brasil contatou a Zanoni Equipamentos pedindo apoio para adaptar o 710 às condições brasileiras, que exigem maior durabilidade (por conta de condições muito mais severas e de uma rede de suporte mais escassa) e maior rentabilidade (devido ao modelo específico da indústria agrícola no Brasil, em larga escala). Na sua primeira visita à fábrica, Ivan compartilhou insights valiosos com a equipe de desenvolvimento da Zanoni, que logo esboçou o projeto de integração de um sistema customizado para o Thrush 710. Quando o avião finalmente pousou em Anápolis, o chefe de engenharia da Zanoni conferiu in loco cada detalhe da nova aeronave, garantindo que o conceito coubesse perfeitamente no 710. Dias antes da VTI na oficina ABA Manutenções, em Barreiras (BA), representantes da Zanoni já aguardavam o avião para instalar o sistema personalizado e realizar os ajustes finais de campo. Após seis meses de diálogo entre o operador e a Zanoni, nasceu um sistema de pulverização exclusivo para o 710, com três inovações principais:
1. Um conjunto totalmente em aço inox (da bomba eólica às barras) para substituição do sistema em alumínio usado nos EUA.
2. Um kit de atomizadores M6, referência global em aplicação de inseticidas e fungicidas a baixas vazões em aeronaves de alta velocidade, projetado para oferecer desempenho impecável em aeronaves de grande porte, como o Thrush 710;
3. Uma válvula dupla de pulverização (by pass) com acionamento automático integrado ao sistema AgNav, um desenvolvimento em parceria com a DGPS e Cia (representante da AgNav no Brasil), facilitando a operação, aumentando a segurança de voo e a precisão na aplicação, com a garantia de redundância mecânica no caso de pane elétrica. Esse pacote sob medida elevou o 710 ao patamar de performance técnica e confiabilidade exigido no Brasil.


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Batismo de Altitude
Ivan destaca que, após a instalação do sistema, a única coisa que precisou fazer foi a calibração que todo avião novo precisa: ajuste de posição de atomizadores e determinação de faixa. A empresa parceira Alvo Agrosciences ficou dez dias na fazenda realizando coletas e aferições de faixa, coletando dados, analisando aspecto de gotas e avaliando a faixa, colocando os bicos em posições diferentes até deixar tudo bem alinhado, definindo um parâmetro para o uso de atomizadores rotativos nessa aeronave. A empresa também está fazendo acompanhamento quinzenal e reunindo o máximo de informações possíveis sobre a qualidade da aplicação. Informações que ficarão à disposição para serem consultadas na Thrush do Brasil ou no Grupo Shimohira.
Primeiras calibrações do Thrush 710 com atomizadores indicaram excelente cobertura e uniformidade de faixa
As avaliações agronômicas iniciais indicaram um ganho na largura de faixa significativo em relação à do 510G. Na vazão mais alta (18 L/ha), ainda não realizaram nenhum tipo de calibração. Porém na vazão mais usada (10 L/ha), ao invés dos 30 a 33 metros que conseguiam, agora irão operar com 40 a 42 metros. Nas vazões de 1 lt/ha e mais baixas, usarão a mesma largura de faixa do 510, por segurança. Nos primeiros meses de operação (safra 2024/25), o piloto relatou que está conseguindo produtividade média de 570 hectares por hora e, no caso de algumas aplicações especiais (como uma de feromônio a 0,53 litro/hectare), chegou a fazer 1.791 hectares/hora consumindo 0,156 ml de combustível por hectare, decolando com apenas 1.050 litros e com “tiros” de 14 quilômetros. Para esse tipo de aplicação específica, foi desenvolvida uma barra especial pela equipe da Zanoni.
Além disso, o Thrush 710 trouxe ganhos expressivos de produtividade e economia de insumos: em comparação ao 510, o rendimento operacional subiu em cerca de 31% na média geral, enquanto o consumo de combustível caiu 3,8% por hectare na média geral. A manutenção, por sua vez, segue praticamente inalterada em relação ao 510: a ANAC aceita homologação por semelhança (basta certificar o uso dos mesmos macacos do outro avião de grande porte que existe no Brasil) e as oficinas em Barreiras já estão habilitadas sem grandes ajustes de infraestrutura.
Unindo o DNA desbravador do algodão com a meticulosidade de um piloto que enxerga cada bico e cada gota como peça de um grande quebra-cabeça, o Thrush 710 provou ser muito mais que uma máquina: tornou-se extensão da tradição Shimohira e do profissionalismo de Ivan. Os ganhos de rendimento, a economia de combustível e a adaptação feita “na raça” só confirmam que, para esse time, inovação e precisão voam lado a lado — e que o céu baiano agora tem uma nova referência no horizonte.