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Papo de Cabine – Chega de Cowboys

Tenho pensado muito em meus amigos na aviação agrícola brasileira. A maioria agora está voando, tentando pôr em dia o trabalho que ficou atrasado por conta das festas de fim de ano – se é que conseguiram dar uma parada nos festejos. Agora é seguir trabalhando direto, com toda a segurança possível. Porém, há uma outra questão pegando.

A aviação agrícola brasileira está chegando em uma encruzilhada. Em comparação com os Estados Unidos e o Canadá, os regulamentos brasileiros (que tem poder de lei) não tem sido respeitados da forma como deveriam, por alguns. Porém, minha compreensão é que isso vai acabar logo. O governo irá trazer muita dor de cabeça para quem não seguir as regras, atuais e futuras.

Vinte e oito anos atrás, a aviação agrícola americana se viu na mesma situação. Voávamos do jeito que queríamos, ignorando os regulamentos sobre deriva e sobre a operação segura de nossas aeronaves. Éramos chamados de “cowboys”, e não de uma forma positiva; éramos cowboys sem noção, descuidados e perigosos. E era verdade!

Nossa equivalente à ANAC, a Federal Aviation Association (FAA) e nossa equivalente ao IBAMA, a Environmental Protection Association (EPA) avisaram à nossa Associação Nacional de Aviação Agrícola (a NAAA) que novos regulamentos, com muito mais restrições, estavam sendo planejados para resolver o problema. Mas nos deram uma escolha: ou a aviação agrícola se enquadrava voluntariamente, ou a FAA e a EPA faria isso por nós, e nós não iríamos gostar!

Isto aconteceu em 1996. Na época, eu estava na diretoria da NAAA e fui designado para o Comitê Diretor do Professional Aerial Applicator Support System (PAASS), o Sistema de Suporte ao Aplicador Aéreo Profissional. Este comitê tinha a desafiante tarefa de desenvolver um programa educacional que resolvesse o problema da atitude de cowboy dos pilotos agrícolas e satisfizesse as exigências da FAA e da EPA.

O comitê diretor do PAASS enfrentava uma tarefa monumental. Não apenas nós tínhamos de recomendar e dirigir futuros programas para resolver esta questão, mas principalmente convencer o pessoal da aviação agrícola de sua importância.

Para demonstrar a atitude dos pilotos quando tomaram conhecimento dos planos do PAASS, eu fui cercado no fundo de um ônibus que fazia o translado entre o hotel e o centro de convenções do congresso da NAAA em Reno, Nevada. Foi bem desagradável. Eu realmente pensei que aqueles pilotos que eu conhecia há anos, leitores de AgAir Update, iriam me agredir fisicamente! Era um ônibus cheio de pilotos revoltados e eu sozinho.

Depois de falar rápido e fazer algumas promessas, convenci a eles que aquilo seria bom para a aviação agrícola. É claro, alguns dos cowboys teriam de mudar seu modo de pensar e se tornar mais profissionais. O que haveria de errado com isso? Terminou que 28 anos depois, acidentes e mortes na aviação agrícola foram radicalmente reduzidos, junto com as queixas de deriva. Hoje, o programa PAASS é adotado por todos os pilotos agrícolas americanos. Eles participam voluntariamente das reuniões informativas do PAASS nos congressos, porque todo mundo vê as vantagens: continuar vivo, não quebrar aviões e deixar os vizinhos felizes com muito menos deriva.

Não, a aviação agrícola não eliminou os acidentes, as fatalidades e nem as reclamações de deriva. Porém, o PAASS teve um impacto tão positivo na redução destes eventos que a FAA e a EPA voltaram atrás em seus planos de passar novas regras. Algumas seguradoras até ofereceram um crédito de US$ 2.500 nos prêmios de seguro para as empresas aeroagrícolas se todos os pilotos da empresa participassem do programa PAASS todos os anos.

Porque estou contando isso? Porque a aviação agrícola brasileira está prestes a passar por uma jornada muito similar. Meu entendimento é que o governo brasileiro, nos níveis federal, estadual e municipal, além de suas agências reguladoras, irão obrigar a aviação agrícola a apresentar uma melhor imagem de si mesmo ou então ela sofrerá sérias restrições. Você pode aproveitar esta oportunidade e transformá-la em algo lucrativo. Você pode até mesmo salvar sua vida ou a de seus pilotos. Esta é uma ótima compensação por voar de forma profissional. Tenho certeza que você irá fazer exatamente o que for necessário para permanecer na atividade. Em termos de habilidade, você é tão bom piloto quanto qualquer piloto militar ou de linha aérea. Essas duas profissões não admitem que cowboys pilotem suas aeronaves.

Falando de segurança, um funcionário da FAA entrou em meu escritório no mês passado, sem avisar. Ele me perguntou se eu era William Lavender. Sem entender porque a FAA estava no meu escritório, respondi que sim, pensando no que eu teria feito para receber uma visita pessoal da FAA. Ocorre que ele tinha ido ao meu escritório para me conceder o Wright Brothers Master Pilot Award da FAA, o Prêmio Piloto Mestre Irmãos Wright. Este prêmio é dado para pilotos americanos que tenham voado um mínimo de 50 anos e ao fazê-lo, tenham promovido a segurança na aviação.

Eu estava chocado. Eu sabia que agosto passado tinha marcado os 50 anos desde meu primeiro solo, e que eu tinha recebido minha carteira de piloto comercial 90 dias depois. Eu não tinha ideia de que a FAA iria me homenagear simplesmente por fazer o que eu eu amo pelos últimos 50 anos. Você não precisa esperar 50 anos para colher os benefícios de ser um piloto seguro e profissional. Posso garantir, é muito mais difícil ser um piloto profissional do que um cowboy!

Até o mês que vem, Keep Turning (com segurança)… 

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