Lá estava eu, meia hora depois do pôr do sol, em uma noite sem lua, voltando para uma pista agrícola após fazer uma carga em uma lavoura a 40 km de distância. O crepúsculo tinha rapidamente virado em escuridão. Navegar não era problema porque a visibilidade era ilimitada, com as luzes de pequenas cidades servindo como referências em uma paisagem sem destaques. Chegar perto da pista não era problema, mas às vezes, chegar perto não é o suficiente.
Pelo menos eu podia contar com o único, porém forte farol de pouso do avião. Mas os deuses da aviação não perdoam más decisões – como a de pulverizar em condições de baixa luminosidade – e quando a cerca de 15 km de onde eu achava que iria me alinhar com a pista, baixei e acionei o farol de pouso. Para minha surpresa e decepção, descobri que ele estava inoperante. Desligar e religar a tecla do farol não resolveu o problema
Assim, estava lançado o desafio: pousar sem luzes em uma noite de muita escuridão, em uma pista de grama verde escura com a qual eu não estava muito familiarizado e cercada por lavouras de trigo verde escuro em ambos os lados. Além do mais, não havia muitas opções viáveis, dado que a pista bem iluminada da minha base ficava a mais de hora de voo e eu não tinha combustível suficiente para o translado. Meu plano original era reabastecer na pista agrícola e depois seguir para a base.
Me lembro de pensar em duas coisas enquanto arredondava. Onde estava aquela maldita pista, afinal? Era impossível ver claramente na escuridão. E brevemente, recordando uma palestra de muito tempo atrás sobre como os olhos enxergam em condições de baixa luminosidade, se eu deveria virar minha cabeça para deixar os bastonetes da retina formar a imagem, já que os cones tinham passado para um segundo lugar na funcionalidade. Foi um daqueles momentos em que eu desejava ter prestado mais atenção na palestra sobre como nossos olhos funcionam em várias condições de luminosidade.
De qualquer jeito, tive sorte de primeira e pousei meio batido, mas seja como for, eu estava seguro em terra firme. Eu descreveria meu táxi de volta para a área de carregamento como hesitante na melhor hipótese, dado que eu ainda me esforçava para perceber a linha entre a pista e o trigo.
Depois de cortar o motor e estaquear o avião na área de estacionamento, e ter minha pressão arterial de volta à alguma normalidade, tive tempo para refletir sobre o que poderia ter sido um final muito mais sério. A primeira pergunta, é claro, era quanto ao porquê de eu ter forçado o final da pulverização.
A resposta simples é que eu tinha tomado uma má decisão. Eu estava com a lavoura quase pronta e queria deixá-la terminada naquele dia (que rapidamente virava noite), estando bem ciente que os últimos tiros seriam voados quase no escuro. O principal item faltando no meu plano de operações feito às pressas foi o “fator ôpa”, Isto é, o que iria acontecer quando os gremlins da aviação encontrassem algo batendo nos limites operacionais.
No centro dos meus muitos problemas estava o fato de que o farol de pouso não funcionava. Eu não conseguia me lembrar da última vez que eu o tinha usado ou verificado no solo. Cheques pré-voo são feitos para isso: para garantir que itens simples, que podem resultar em algo muito complexo, não sejam esquecidos.
O próximo item a ser revisto era a minha rígida posição quanto à necessidade de terminar de pulverizar uma lavoura em condições marginais de luminosidade. Lembro que a meteorologia para os dias seguintes iria impedir as operações, o que sem dúvida influenciou meu processo de tomada de decisão. Seja operar em condições de vento, temperatura ou luminosidade que deveriam ser proibitivas, isso é uma versão da “síndrome de chegar em casa”, que eu chamo de “síndrome de terminar o serviço”, essa perigosa tendência de continuar trabalhando, mesmo enquanto se desafia a lógica e o simples bom senso.
Há muitas estatísticas disponíveis online destacando os muitos acidentes causados por pilotos que continuam persistindo em tentar chegar a um destino ou a completar um trabalho, a qualquer custo. O principal fator é a pressão auto imposta para terminar o trabalho, a qual se torna o fator determinante no incidente ou acidente. Logo atrás disso vem o espectro da fadiga, aquele perigo sempre presente que entra no jogo no pior momento possível.
Todos nós já tivemos um momento em que nossa capacidade de decidir corretamente deixou a desejar. “Comandantes de escrivaninha” podem oferecer conselhos sábios porém sem base a respeito do que você deveria ter feito. Porém, a tomada de decisão é um exercício muito complexo, onde o diagnóstico e a consciência situacional podem ficar comprometidas quando se está em um escritório que se move a mais de 100 milhas por hora, em um ambiente de risco e geralmente sob pressões críticas de tempo.
De volta à questão principal do pouso na escuridão. O “relatório de segurança” que eu mesmo fiz relatou que quando verifiquei o farol de pouso no dia seguinte, ele continuava não funcionando. A causa? Um simples circuit breaker saltado, o qual uma vez reinserido resolveu o problema. Minha inspeção pré-voo não notou o circuit breaker saltado, dado que ela não era tão detalhada e completa quanto deveria.
Outro problema era a própria pista. Ela era ótima para operação diurna, onde a luminosidade não seria problema, mas inviável para qualquer tipo de operação noturna. Eu não levava este fator em conta ao voar em pistas distantes da minha base. Porém, no dia seguinte, pedi ao proprietário para investir em um balizamento portátil refletivo, que é visível mesmo em uma noite escura. É apenas mais uma peça do quebra-cabeça para tornar operações seguras e efetivas.
Desnecessário dizer que se você é um piloto agrícola, você já pode ter passado por ou provavelmente se verá em situações como esta, onde a necessidade de terminar o serviço irá subir do final da lista de prioridades – bem atrás da segurança e da efetividade – para o topo da lista. Torço para que você repense o caso, reavalie corretamente a situação, e coloque aquela forte vontade de continuar em seu devido lugar.