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A Fórmula da Felicidade – Os Números e a Lei da Física

“Um Cessna Ag 188 pode fazer um “balão” de aplicação aérea em 13 segundos”. Calma, antes que me digam qualquer coisa, quero esclarecer que esta frase não é minha. É algo que encontrei surfando nas redes sociais de conteúdos de aviação. Disparates e frases estúpidas como esta são as coisas que promovem a insegurança na aviação, por não terem nenhum rigor técnico.

Eu poderia enumerar um monte destas publicações, porém as que mais me impactaram são três, todas referentes à técnica de pilotagem e relacionadas com segurança. Elas são: 1) a volta impossível, a absurda discussão do que fazer quando se tem uma pane de motor logo após a decolagem, 2) desligar o motor em voo e demonstrar que, sendo-se “um ás da aviação”, se consegue retornar para a pista e 3) diretamente relacionada à aviação agrícola, “o recorde em segundos para se fazer um ‘balão’ em aplicação aérea”.

A magia da matemática nos ajuda e utilizamos números para tudo na aviação. A aviação agrícola em particular está cheia de números e fórmulas que nos ajudam a ser mais eficientes e seguros. Ao longo deste artigo, gostaria de falar de algumas fórmulas na aviação agrícola.

A Formula “I x D”

Esta é a fórmula pela qual estamos todos na aviação agrícola. É a fórmula que desencadeia o projeto de começar uma empresa de venda de serviços de aplicação aérea. Na primeira vez que a ouvi, fiquei atônito por sua simplicidade e contundência. Ela foi exposta magistralmente em um congresso de aviação agrícola no Uruguai. O que é I x D?  Nada mais nada menos do que “Isto é por Dinheiro”. Parece uma coisa óbvia porém é o fator determinante de qualquer empresa de aviação. Olhando de forma macro, seria horas voadas versus hectares aplicados. Os hectares são um indicador da receita bruta de uma empresa. Logo depois vem a depuração; aí intervém os contadores, o estado arrecadador de impostos e os registros de despesas da empresa (quanto mais precisos, melhor). No final das contas, a fórmula I x D me diz: gere receitas suficientes para ter o que cobrar e gaste com consciência e de forma eficiente.

Baltin Continua Tendo Razão

Desde sempre, a avaliação dos resultados econômicos e operacionais de uma empresa de aviação agrícola tem sido um problema complexo. Há tantos resultados econômicos e variáveis quanto há empresas. É por isso que lá pelos anos 1960 o cientista pesquisador Baltin propôs sua fórmula para descrever a missão operacional das aeronaves agrícolas (Manual De Trabalhos Aéreos OACI 9408 – Capítulo 14).

O que importa nesta fórmula é que ela permite identificar quais são os fatores que influem no rendimento de um avião agrícola, e qual sua ordem de importância.

Aqui voltamos à frase inicial, “posso fazer um ‘balão’ em X segundos, porque sou um ás da aviação”.

Todos nós pilotos temos nossas ideias pré-concebidas, nossas crenças e nosso EGO. Estes três fatores nos fazem pensar que, ao apertar um “balão”, seremos mais produtivos, ganharemos mais e nossos colegas dirão, “que piloto bom, como vira apertado”. Lamento dizer a todos estes cultores do EGO, que segundo Baltin, há sete elementos mais importantes e mais efetivos para aumentar a produtividade do que apertar uma curva de aplicação.

Tomemos um exemplo; um “balão” padrão em aviação agrícola levaria de 25 a 35 segundos. Suponhamos que eu queira impressionar o meu empregador e colegas e consiga fazer o “balão” cinco segundos mais rápido do que o padrão. Para uma área de 100 “tiros”, isso representaria 200 “balões”. O que é igual a 200 curvas de aplicação x 5 segundos = 1.000 segundos = 17 minutos de ganho de tempo. Ganho de tempo? A prudência nos deveria levar a questionar o quanto nos arriscamos para ganhar estes cinco segundos por ‘balão”. Quanto cansaço isso significa ao final do dia? Como ficarão as entradas dos “tiros”, conseguirei alinhar bem o avião para iniciar a passada? O que o cliente está contratando, um showman ou um bom aplicador?

O senhor Baltin responderia que há sete fatores mais importantes do que estes “17 minutos de curvas”. Eles são 1) velocidade do avião 2) tempo necessário para o carregamento 3) quantidade de produto por hectare aplicado 4) volume de aplicação (litros por hectare) 5) faixa de aplicação efetiva 6) tamanho da área a tratar e 7) distância entre a lavoura e a pista.

Sobre alguns destes itens os pilotos têm controle: podemos ajudar aos nossos técnicos a ser mais eficientes no carregamento do avião; podemos trabalhar com os engenheiros agrônomos para melhor avaliar a lavoura e assim usar menos produto por hectare; podemos calibrar nosso sistema de aplicação com um especialista para termos certeza que cada gota que sai do avião atinge o alvo. O mesmo se aplica à faixa de  deposição; se não temos nosso avião previamente calibrado, podemos estar usando uma faixa de aplicação menor do que a que poderíamos estar aplicando.

O termo da moda em produtividade é SMARTSpecific (específico), Mensurável, Alcançável, Realista e Tempo, significando este último um tempo específico para execução. Esta sigla é muito aplicável às operações agrícolas.  Todos os fatores envolvidos se podem medir, são alcançáveis e por aí poderíamos seguir.

Dito isto, a mim pouco me importa o tempo que demoro para fazer uma curva de aplicação aérea. Conheço pelo menos cinco formas de ganhar aqueles 17 minutos dos “balões”. E não sou apenas eu. A Air tractor recentemente publicou um vídeo chamado TURN SMART – Respeite Sua Margem De Segurança (https://www.youtube.com/watch?v=gKP41xZQQgU&t=642s ou escaneie o QR Code neste artigo – apenas em inglês). Este vídeo deveria ser obrigatório para todo empresário ou piloto de aviação agrícola preocupado com a segurança. Nele falam Mike Rhodes (ex-piloto-chefe de testes da Air Tractor), o piloto acrobático e veterano piloto agrícola Steve Gustafson e o coronel da Força Aérea Americana Mike Mullane (ex-astronauta do ônibus espacial da NASA), os quais falam sobre os perigos da banalização do desvio dos procedimentos e como isto se relaciona com aviação agrícola. Evidentemente, todos os profissionais citados têm muito mais conhecimento que a maioria de nós mortais.

A Melhor Fórmula, a Fórmula da Felicidade

A melhor fórmula da aviação ( e talvez da vida) é: L = 1/2 d V2 S CL. Para quem é piloto, não preciso dizer do que se trata;  para quem não é, trata-se da fórmula da sustentação. Esta expressão matemática foi tornada possível por dois destacados cientistas, um senhor chamado Newton ( nascido dois séculos e meio antes do primeiro voo dos irmãos Wright)  e um suíço de sobrenome Bernoulli ( também nascido por aquela época).

Essa fórmula expressa o porquê dos humanos poderem voar. Porque saímos de férias de avião, porque salvamos vidas com aviões, porque temos uma perspectiva privilegiada em três dimensões e porque sendo pilotos agrícolas, ganhamos o pão de cada dia voando. Por isso eu a chamo de a Fórmula da Felicidade.

Se nos pusermos a explorar, a estudar e a nos informarmos, certamente encontraremos muitas outras fórmulas e expressões da física que podem nos ajudar a ser melhores. Entre elas temos a fórmula do Valor Pessoal V = (C + H) x A, sendo V = Valor Pessoal, C = Conhecimento, H = Habilidade e A = Atitude. Para chegarmos a ser Pilotos Agrícolas (e irmos além), precisamos de todos estes componentes.

Assim, os pilotos que conhecem estas duas fórmulas, a Fórmula da Felicidade e a Fórmula do Valor Pessoal, deverão ser melhores pilotos e melhores pessoas. Ou pelo menos tentar ser.

Como disse Dan Johnson, em seu magnífico livro Duster – A collection of one pilot’s adventures from over 50 years in the air (“Duster – Uma coleção de aventuras de um piloto de mais de 50 anos no ar”, só disponível em inglês), “as leis da física que realmente importam foram estabelecidas por Deus e interpretadas por Newton e Bernoulli. As penas por violar estas leis incluem uma morte súbita e violenta”.

Eu apreciaria sua opinião a respeito dos meus artigos – [email protected]

Bons voos, e não apertem suas curvas…

Martin da Costa Porto é um piloto agrícola e instrutor de voo agrícola no Uruguai. Ele tem mais de 25 anos e 12.000 horas de experiência aeroagrícola, além de 3.000 horas de instrução de voo. Atualmente, ele opera sua própria empresa aeroagrícola no Uruguai.
Escaneie este QR Code para assistir ao vídeo “Turn Smart” em seu dispositivo.
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